Hoje em dia Pai é retratado em todas as propagandas de televisão como aquele homem parceiro, amigo dos filhos, que brinca, participa, ri junto, cresce junto. Mas essa é uma representação recente da figura paterna. Nem sempre foi assim. Ao longo de quase todo o século XX, a imagem do pai esteve associada a provisão financeira, estrutura, limite, rigor. O pai era aquele que não era questionado, que era obedecido, que saía pela manhã para trabalhar e voltava a noite, quando a casa e os filhos haviam sido cuidados durante todo o dia pela mãe. A mãe cuidava, o pai estabelecia limites. Quem nunca ouviu (e temeu) a frase: “Se você não me obedecer, vou contar pro seu pai!”?
Pai sempre esteve associado também, e ainda está, à reputação: ao nascer como “filho de” recebemos um sobrenome, o do nosso pai, e tudo que com ele venha, tudo o que houver sido construído por aquele clã, materialmente ou não. Não é coincidência que até recentemente era o pai quem obrigatoriamente registrava o filho em cartório: era a sua palavra que atestava a paternidade da criança. A maternidade nunca se discutiu, sempre foi óbvia com a gravidez e com o parto, mas a paternidade sempre foi passível de discussão. Aí também encontramos outra associação à questão da figura paterna: é algo externo à gente. Com a mãe, há uma relação visceral em muitos sentidos: nascemos dela, somos fruto do seu corpo. Já em relação à paternidade, até o recente advento DNA, não havia comprovação possível mais que os traços fisionômicos do indivíduo, e a palavra da mãe.
De alguma maneira, o pai sempre esteve também associado direta ou indiretamente a poder: ao nos dar um sobrenome, ele determina que papel teremos no mundo e, consequentemente, que poder teremos ou não sobre ele, que posição social ocuparemos. No passado, isso determinava se éramos senhores feudais ou escravos, aristocratas ou plebeus. E hoje não é muito diferente: há sobrenomes que por si só abrem muitas portas, e outros que fecham.
Com o sobrenome do pai vinha - e vem - uma serie de adjetivos e condições de vida que precisam ser respeitadas por aquele que o recebe, por aquele que nasce sob aquele “destino”. E aqui encontramos outro significado para a figura paterna, relacionada a hereditariedade, aos laços de consangüinidade: o destino. Segundo o pai que temos, também temos predeterminados na esfera social e política o nosso destino.
Todas as palavras tão ampla e largamente associadas a figura paterna ao longo de décadas - autoridade, futuro, destino, reputação, lugar social, segurança, estrutura, provisão, rigorosidade, lei - são também palavras associadas na Astrologia a Saturno / Capricórnio, e se relacionam de imediato com os significados representados pela Casa 10 no mapa. Foi só no final do Século XX, início do Século XXI que nos encontramos com uma representação social mais amigável, generosa, participativa, eqüitativa para a figura paterna. Uma figura, em termos astrológicos, mais... Jupiteriana.
Foi só em meados do Século XX, quando a Psicologia e suas diversas escolas começaram a ganhar força na Europa e Américas, que as relações familiares e seu impacto na constituição da personalidade do indivíduo começaram a fazer parte do interesse da maioria. Com a inserção da Psicologia como uma nova disciplina em nosso cotidiano, autores como Freud e Lacan começaram a observar e explicar a relação com a figura paterna sob diversos ângulos, identificando indicativos de sua influência sobre a natureza de cada um. Lacan, elaborando leituras de Freud, descreveu o pai, principalmente, como aquele indivíduo que aparta o filho da mãe, que coloca uma barreira ao desejo inconsciente materno de que o filho seja seu, e impondo também uma barreira ao desejo inconsciente do filho de ser “seu dono”, de “possui-la”.
Se tomamos esta teoria e nos referimos à roda astrológica, encontramos uma relação estreita com as leituras da casa 4 e seu regente natural, a Lua (Câncer), e a casa 10 e seu regente natural, Saturno (Capricórnio). As casas 4 e 10 estão posicionadas no zodíaco de maneira diametralmente opostas, a 180 graus de distância uma da outra. Consequentemente, também o estão os signos Câncer e Capricórnio, relacionados por analogia as casas 4 e 10. Seus planetas regentes, Lua e Saturno, se encontram em exílio no signo regido pelo outro (a Lua se exila em Capricórnio e Saturno se exila em Câncer - e também em Leão). Quando olhamos os significados de ambas as casas, encontramos que a casa 4 e a Lua se referem à nossa primeira infância, à nossa mãe (a que tivemos e a que seremos), à nutrição (como fomos alimentados, de que nos alimentamos e como alimentaremos), ao passado, às emoções, ao lado feminino de cada um de nós. Por outro lado, Saturno e a casa 10 simbolizam figuras de autoridade, profissão, chefes, responsabilidade (as que recebemos da vida e como nos responsabilizamos pelas coisas), estrutura, recursos, provisão, imagem pública, reputação, carreira. Assim como a maneira como fomos nutridos em nossa infância determinará quão bons seremos nutrindo os demais, também o tipo de autoridade que tivemos de nosso pai nos primeiros anos de nossa vida determinará como nos relacionaremos com as figuras de autoridade e responsabilidades no futuro.
Voltando a Lacan: segundo a teoria da psicanálise lacaniana, o vínculo do filho com a mãe (Lua) é um vínculo forte e importante para a construção da personalidade individual, mas é um vínculo que pode impedir o crescimento do indivíduo se não for cortado no momento certo da maturação individual. A relação mãe x filho, segundo Freud (base de Lacan) é uma relação quase visceral: o filho acredita até determinada idade que a mãe é uma extensão do seu próprio corpo, e é só com o amadurecimento físico e das funções cognitivas que vai entendendo que ela é um ser diferente a ele. Na medida em que aumenta a sua consciência desse fato incontestável, aumenta também seu sentimento de posse em relação a sua progenitora, entre outras coisas, por medo de que lhe falte sua fonte de segurança: sem a mãe sua própria existência está ameaçada. Aqui seria, segundo Lacan, quando entra em cena a tão necessária figura do pai, autoridade externa à essa relação visceral (Saturno, casa 10) que vem cortar esse vínculo (Lua, casa 4) para que tenha lugar um outro tipo de relação mãe x filho. A simples existência do pai na relação familiar mostra ao filho que aquela mulher não é sua, e mostra à mãe que aquele ser não lhe pertence. “Separando” o filho da mãe, permite que o filho possa crescer fortalecido e sair ao mundo em busca de uma mulher que “seja como” mamãe, mas que não seja ela, que seja outra. Lacan elabora um pouco mais e diz que ao ser autor desse corte, que se dá a nível inconsciente para todas as partes, o pai está garantindo ainda à mãe um lugar de mulher, de esposa, sem deixá-la circunscrita exclusivamente à função materna.
Poderíamos dizer, então, que o eixo 4-10 (pai - mãe / vida social - vida privada) do mapa fundam a nossa existência como seres humanos, ou seja, sustentam o eixo 1-7 (eu - o outro). Será a partir do que recebermos e vivermos em nossa casa 4 que seremos mais ou menos capazes de construir uma casa 10 bem sucedida, bem estruturada. Será de acordo com o que recebermos física e emocionalmente em nosso primeiro lar, em nossa primeira infância, que seremos mais ou menos capazes no que respeita à vida social e profissional.
Tão determinante como tudo isso possa ser na personalidade do ser humano, as relações no mapa entre Sol / Lua / Saturno ajudarão a identificar claramente que tipos de relações com o pai e com a mãe o nativo vivenciou em sua primeira infância, e como isso afetou sua personalidade.
Em função da disparidade entre suas energias, Saturno não funciona bem em nenhum aspecto com o Sol ou com a Lua. Os aspectos poderão ser mais maleáveis e fáceis de administrar se forem fluidos (trígonos ou sextis), mas ainda assim não serão afins, o que sempre gerará algum desconforto na manifestação da energia, excesso ou ausência. Um Saturno bem posicionado no mapa por signo e / ou por casa, sem aspectos tensos com os luminares (Sol ou Lua) garantem uma boa relação com as autoridades na vida adulta, e costuma favorecer uma atitude responsável em relação às diversas áreas da vida do nativo (especialmente em relação a casa da qual seja o regente / se localize). Já em aspectos tensos com o Sol ou Lua, ou em seus signos de queda / exílio (Câncer, Aries ou Leão), Saturno se manifestará, muitas vezes, como uma dificuldade para aceitar autoridade, dificuldade para se impor, dificuldade para avaliar qual a responsabilidade que nos corresponde nas diferentes situações (Saturno / Sol), ou como uma mãe fria, ausente ou superprotetora (Saturno / Lua), o que tende a gerar no indivíduo uma resposta de auto proteção emocional, entre outros tipos de manifestações.
Diante de tudo isso, cabe a pergunta: o que funciona melhor na formação da personalidade individual? Um pai permissivo, generoso, participativo ou um pai educativo, rigoroso, restrito e justo? A verdade é que ambos são necessários para a criação de um ser humano em equilíbrio. Se pensarmos que na roda zodiacal Jupiter (regente de Sagitário e da Casa 9) vem antes de Saturno (regente de Capricórnio e da Casa 10), poderíamos inferir que antes de ter Saturno (ou seja, rigor, responsabilidade, estrutura) deveríamos ter Jupiter (generosidade, flexibilidade, maleabilidade). Por outro lado, é só estando de posse de limites, princípios e valores internos bem estruturados que seremos capazes de flexibiliza-los, sem cair em excessos de permissividade ou de rigor. Assim, proponho a que pensemos em Saturno como algo que ocorre antes de Jupiter: quando estamos, no curso de nosso desenvolvimento, vivendo nossa casa 4, antes de passarmos a Casa 5 (namoros, criações e prazeres), recebemos um corte proferido desde “os céus” (casa 10) direto sobre a gente, em nossa casa 4 e na relação com nossas mães. Recebemos esse corte que define, determina e nos libera para outra etapa. Sem esse corte, ficaríamos estancados naquela idade psicológica, naquela relação, sem sermos capazes de avançar para a etapa seguinte. Sem essa “quebra” na nossa primeira infância, todo o seguinte não seria possível. E só é possível ser generoso sem ser anárquico quando ha um conhecimento de base, de princípios e valores morais, de leis, que nos permitam relaxar sem incorrer na perda de controle. Portanto, com um bom Saturno de base, sejamos todo o Jupiter que queiramos ser.
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